terça-feira, 28 de julho de 2009

Ontem. Ontem eu caminhava pela Gonçalo de Carvalho. Porto Alegre, acúmulo de anos. Eu, 23. Casas antigas, grandes e charmosas. Uma senhora no para-peito. Boa tarde. E pergunta se estou olhando a casa dela, logo me dizendo que eu fazia bem em estudar, pois aos 90 anos, aos 90 anos é triste. E penso então, “ah, a senhora também acha?” Penso isso, mas digo séria “é?”, pedindo, descaradamente, para que me contasse mais daquilo (“me fala do que sinto”). E me fala - aquela velha que se via, foi bonita – como foi feliz com seus dois maridos, que teve três filhos, mas que a perda desses homens se resumia naquele momento do para-peito de estar só e infeliz (“ah, a senhora também?”) com a sua porção de anos. Conta da rua, dos vizinhos que conhece, dos filhos e dos maridos uma outra vez. Digo com um nó que quero ter uma vida como a dela. Ela diz então, olhando pra cima, com o olho azul-cinza: “ah, sim, eu fui feliz”. E eu penso “É, a senhora também”.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Já?

Já experimentou mastigar semente de mamão? Da onde que tiraram que é amarga, azeda, dá careta? É só morder pra descobrir uma pimentinha muito interessante, boa de refrescar a boca; eu recomendo, gosto.

Já experimentou trevo? Folhinha, aquela de quatro, três folhas...
Azedinha! Isso mesmo, azedinha que é uma delícia, comi várias, nem deu dor de barriga. Super confiável e divertida.
Verso se vomita pela mão.
Emerge das entranhas depois de uma inquietude e, quando se coloca o dedo na guela do verso, não vem com o mesmo vigor, surpresa e alívio.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Homenagem à Amiga

A Culpa é uma solteirona virgem, retraída, de pélvis engolfada pela gordura do ventre que não lhe permite nem mesmo enxergar a própria xoxota. A Culpa tem um leve bigode e uma boca bem fina, sempre com os olhos espremidos de ruminação reflexiva. A Culpa, óbvio, veste bordô: insinuando o vermelho e abafando o vermelho. Bate siririca inspirada nas melhores perversidades, mas, pela manhã, esfrega a calcinha molhada embaixo da torneira até furar, como se isso equivalesse a 12 avemarias. A Culpa reprova o palavrão e a baixaria.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

E se eu me desenrolasse
Na linha da letra
Eu engenharia uma veste pra te envolver o pescoço
Uma que se derramaria pelos ombros
Que teria uma textura de beijo
No peito
De voz aveludada na espalda
E de linha fina - bem cursiva
Em tinta negra pelo ventre

Te faria toda a veste de cochicho
De palavra bem molhada, meu querido

elementar

Qual a diferença entre o pingo e a gota?

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Café

Pede-se muita paciência
Um café para pensar
Paciência com urgência
Nesse mundo de café

domingo, 5 de julho de 2009

Insuperáveis

E a indústria dos lanches rápidos e práticos não pára de lançar invenções no mercado. A vida tá corrida, a barrinha de cereal já enjoou e fica o desafio para algo que seja saudável e à mão. Os europeus são mestres nisso e ofertam produtos de toda a natureza, com as embalagens mais práticas, quentinhas e completas, dão mesmo conta do recado. Mas a novidade agora quem traz são os brasileiros. A Nestlè comprou a idéia desenvolvida por pesquisadores do Instituto de Tecnologia da PUC-SP e, em outubro, vai colocar nas prateleiras uma linha de, por enquanto, dois lanches rápidos para experiência-piloto de mercado. Um deles consiste numa espécie de polpa esponjosa, macia de sabor peculiar, contendo as vitaminas A, C e também fibras. Pode ser comido frio ou incrementando outros pratos quentes. Seu tamanho é de aproximadamente um palmo e a grande novidade está na ecológica embalagem biodegradável que se adere ao próprio alimento, mas que dele se desprende facilmente utilizando-se apenas um indicador e um polegar. O sabor é único e não lembra qualquer outro. Mas o surpreendente está no segundo lanche, que possui propriedades parecidas com as do primeiro - a não ser pelo aroma mais suave, pelo sabor levemente mais cítrico e por ter o tamanho de um punho - com o diferencial de ter a própria embalagem no cardápio: também ela é comestível! Ou seja, é pegar da prateleira, tirar a poeira e abocanhar na hora do intervalo; sem sujeira e sem resquícios, realmente uma super novidade, mas não maior do que aquela para o nosso bolso, pois cada lanche desses custará em torno de R$ 0, 55 para o pesadelo dos concorrentes.



Essa na verdade é uma historieta fictícia, e os lanches rápidos são respectivamente a banana e a maçã.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Crack - Mas nem pensar?

Manoela trabalha numa Unidade Básica de Saúde na periferia de Porto Alegre e tem como irmão o Lourenço, que faz o terceiro ano do segundo grau e foi incumbido pela professora de fazer uma redação sobre o crack. Sabendo do trabalho da irmã, orgulhoso, mostrou o título pensado a ela: "Crack - nem pensar". Seja por malandragem, lavagem cerebral ou comodismo de Maurício - não importa -, o fato é que coincidentemente esse é o slogan da campanha enfática de nossa emissora local, a RBS, que remonta aos tempos de Claudia Ohana fazendo o papel da vagabunda cocaína, toda de branco, sedutora; descabelada, dissimulada, interesseira e de narizes em sangue jogada nos azulejos de um banheiro. Manoela percebeu que a epidemia do medo de pensar havia chegado à sua casa; sentou e conversou com o seu irmão. Ele foi pro quarto meditativo e depois de algum tempo, voltou mostrando o novo título: "Crack - Vamos pensar?" Manoela respira aliviada.

Engraçado esse boom do crack. Todo o alvoroço e a mobilização da imprensa surgiram justo quando o crack bateu à porta dos cidadãos de bem - leia-se os filhos do Bela Vista, Moinhos, Auxiliadora, Petrópolis. E antes? Por acaso não se acreditava que as famílias e jovens pobres estivessem passando por maus bocados?

Mas deixo disso que é coisa de ressentido, afinal, que racicínio mais causal cartesiano esse meu. Que coisa importa o que deflagrou esse movimento, se desse ou daquele bairro, o que importa são os efeitos rizomáticos que isso inevitavelmente toma, os respingos, a produção social sobre o tema que a campanha pode fazer repercurtir. Ora vejam só. Pra nossa surpresa o respingo imediato, do tipo jato mirado, foi a reinvindicação por leitos psiquiátricos, pela compra, claro, desses leitos.

Na página do SIMERS (Sindicato Médico do Rio Grande do Sul), pode-se encontrar a seguinte enquete sobre o crack: Por que o governo estadual não consegue ampliar leitos? a) Insiste em abrir vagas em hospitais gerais; b) Há desinteresse na área; Está interessado em manter o déficit zero. "Insiste em abrir vagas em hospitais gerais?" Aproveito e me faço de louco: onde mais seriam? Em manicômios? Assim, uma alternativa anticonstitucional, passando despudoradamente por cima da lei da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial?

Da mesma forma, quase que simultaneamente à campanha "Nem Pensar", e aproveitando a cultura do terror e do medo produzidos, a gestão da saúde mental de Porto Alegre - oportunamente - convida o grupo Mãe de Deus a se responsabilizar pela capacitação e pela contratação de recursos humanos para trabalhar nos Centros de Atenção Psicossocial para Álcool outras Drogas (CAPAS AD). Nem melhor, nem pior, mas todos sabem que o grupo Mãe de Deus, além de ser uma entidade privada ocupando compromissos públicos (mesmo com profissionais já concursados ansiando por assumi-los), se norteia pelo paradigma da tolerância zero; nem mesmo os profissionais podem fumar um cigarrinho no intervalo. Tu-do-bem, sem problemas, tudo de bom, inclusive os crucifixos nas paredes desses consultórios que estão atendendo o público de Porto Alegre em nome do SUS, mas o Ministério da Saúde já tem uma diretriz clara para a Política de Álcool e outras Drogas (http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/visualizar_texto.cfm?idtxt=24141&janela=1) que é a Redução de Danos - reduzida atualmente em Porto Alegre a vergonhosos nove redutores de danos...
Foi por esse motivo que o controle social (Conselho Municipal de Porto Alegre) não aprovou essa parceria e, novamente, de forma desrespeitosa, os gestores passaram por cima desse mecanismo legalmente reconhecido. Constituição pra quê mesmo? Vamos rasgar de uma vez? É isso, muito terror, pavor e medo a todos, assim fica mais fácil irmos acatando atuações que cuidem de nós, que pensem por nós.