quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Aconteceu II


Raimundo e Joaquina tiveram João Amélio Noguez, figura que rouba a cena na contação de histórias. É descrito como alguém à frente do seu tempo. Lembrado como um autodidata, foi advogado e jornalista - dono do primeiro jornal de Pinheiro Machado. Também teve uma padaria e uma farmácia, desenvolvendo um tônico fortificante que lhe rendeu viagens de navio pelo litoral brasileiro destinadas à venda da invenção. A empreitada, no entanto, se desdobrou em prejuízos financeiros.

João Amélio tinha uma noiva e ia a Pinheiro Machado fazer compras para o casamento, quando avistou Amália Gusmão Dias atrás do balcão. Amália trabalhava nessa loja/armazém de sua família, onde João Amélio fazia as compras do enxoval, e, em dois meses, uma viraçao fez com que João Amélio Noguez rompesse com a noivinha e esposasse decidida e apaixonadamente Amália. O pai da noiva abandonada queria matá-lo, claro. Não conseguiu, então Amélio e Amália tiveram 18 filhos para celebrar a vida (de certo).

João Amélio tinha o costume de sempre visitar o compadre depois do almoço. Curiosamente, o compadre nunca estava em casa… João Amélio morreu extasiado nos braços da comadre Isabel, mulher muito bonita, que, ciente do escândalo que a morte poderia denunciar às famílias e à sociedade de Pinheiro Machado, recorreu aos amigos de Amélio, que o levaram à barbearia de um de seus amigos; o puseram na cadeira e aí estava criada a lenda: por algum tempo as mulheres da família não permitiam que seus homens fizessem a barba logo após o almoço, o risco dessa morte tinha, então, evidências empíricas. Amélia, ao saber da morte do esposo, tentou suicídio se jogando na caçambinha (poço). Note que Pinheiro Machado teve esse nome imposto muito a contragosto de seu povo, na década de 20, após um de seus cidadãos ter assassinado um senador no Rio de Janeiro que levava esse nome, algo como uma medida reparadora. Antes do evento, Pinheiro Machado se chamava Nossa Senhora das Caçambinhas, pois naquelas águas se curou da cegueira um viajante que por ali passava a caminho de Pelotas. Resta saber se Amália recorreu à caçambinha porque se viu sozinha, sem seu amor, com 18 filhos para criar, ou porque também ela se curou da cegueira.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Aconteceu

Porto Alegre, bairro Petrópolis, duas da madrugada, novembro de 2008. Moiçola, sozinha em casa, escuta barulho insistente de metal no seu jardim. Abre a janela, avista homem tentando arrancar a caixinha do correio.

Moiçola, da janela, com medo:
_ Ô! O que tá fazendo??
Homem só levanta os olhos para fitá-la sem se distrair da tarefa; volta a olhar pra caixa.
_ Ô, o que ta fazendo com a minha caixa de correio, rapá?
Sem interromper o que fazia:
_ Tô pegando...
Com menos medo e mais vontade de puxar papo, qualquer que seja ele:
_ Por quê?
_ Tá estragada...
_Estragada porque tu tá arrancando, não tava estragada antes.
_ Tava sim!
_Não tava não!

Silêncio

_ O que tu vai fazer com essa caixa?
_Vou vender.
_ Mas é minha, podia ter pedido, porque não pediu?

Deu de ombros.

_Quer saber, agora tá estragada mesmo, leva, pode levar.

Pela primeira vez pára de fazer o que estava fazendo:

_ Não.
_ Não o quê?
_ Não vou levar.
_ Vai levar sim, estragou, agora vai levar, quero que tu leve! Agora não quero esse negócio estragado.
_ Eu não! Depois vai dizer que fui eu que estraguei.
_ Mas foi mesmo! Ô, volta aqui, ô, agora vai levar, quero que leve, ô rapá!

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

E se eu me estendesse e desenrolasse
A linha da letra
Pra me contar ou me prosar
Que seja
Na folha que diria das coisas
De dentro
Que quando do avesso
Acharia comparsas, cúmplices de
Silêncios parecidos
Se achariam nas mesmas farsas e
Ainda que no fora o dentro tenha seus arrepios reconhecidos
Uma coisa se sabe, não importa
A linha da letra
Vai se disfarçar de novo, de fios, por cheiros

instrumental pueblo nuevo

essa música percorre quase todos os estados de espírito e as notas pretas chegam perto do improvável, bem no cantinho do coração: http://www.youtube.com/watch?v=7BfgrSjG_nI
Já te escrevi; te falo agora?? Falo sobre o que escrevi? Vou falar só pra garantir, senão fica mais ou menos dito e é importante sobre isso falarmos. É assunto sério, deve ser conversado. As coisas se acabaram por carta e isso não foi do meu agrado. Não sei se vale, o nosso amor não era escrito. E só falar também é pouco pra representar o amor vivido. Em signo do signo eu não confio, é melhor nos encontrarmos. Sentar, beber um café... Quero um discurso bem beijado.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Nesses quartos se vive às custas de saber às avessas das arestas, das frestas das portas encostadas, de se saber torto pelo teto inclinado, mofado a tremer, a cair e a morrer toda a gente soterrada; ou talvez (pois sim, como não) deixar a gente toda solar e conversível, de consciência descampada.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Mania de Explicação

Tem um livro muito muito bom, Mania de Explicação, da Adriana Falcão. Ali tem desenhos legais e frases ainda melhores. Minha preferida:

Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer mas acha que devia querer outra coisa.

Eu acrescentaria:

Suspiro é quando a alma precisa de oxigênio.

Alguém tem mais explicações?

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Desculpa qualquer coisa


Há coisa mais constrangedora do que ouvir "desculpa qualquer coisa"depois do que, tu supunha, haver sido um encontro razoável? O único efeito que isso tem em mim é uma retomada, em flashes, dos momentos que eu e o infeliz passamos juntos pra investigar que raios ele teria feito de errado pra agora tá se desculpando comigo. Desnecessariamente cria-se todo um clima de paranóia que dá espaço para a reinterpretação dos fatos até então tidos como agradáveis, normais ou imperceptíveis. E se pensa baixo, com o olhar vago no intervalo de um beijinho e outro "desculpa pelo quê...? Será que ele tá se referindo ao banheiro impregnado? Sim, então foi ele, coitado, deixou pra se desculpar agora no final, que chato..."

Às vezes, a frasezinha me parece uma tentativa de exibir os bons modos, mas que acaba sendo meio desajeitada por cheirar à resignação incondicional, quase que se curvando, como se tivesse que se desculpar pelo incômodo de ter estado ali desfrutando desmerecidamente daqueles momentos. Sei lá, resquício de tratamentos entre sinhazinhas e mucamas?

Outras vezes soa coisa de obssessivo compulsivo mesmo, como se o ato de falar a frasezinha mágica imunizasse a pessoa de qualquer efeito malígno decorrente de um eventual tropeço, igual a um ritual bobo como, por exemplo, bater 3 vezes na madeira. Essa é a íunica explicaçao que eu encontro pra pessoas que absolutamente me fizeram alguma coisa e se desculpam em vão, tipo "me tira a culpa de seja lá o que for e eu sou um homem livre e limpo; benze aí".

Acho uma falcatrua essa frasezinha, na real. Assim é muito fácil, lanço desculpas ao vento e se o chapéu servir, ótimo, nao tenho nem que me haver com os que eu deixei em tentaçao, afinal, é a hora da despedida, né, imagina se depois de me dizerem "desculpa qualquer coisa", eu vou respirar fundo e, com as sombrancelhas arcadas, dizer "é, realmente o incidente me provocou certo desapontamento, se assim posso dizer, mas acredito que até a próxima jantinha eu já vou ter superado o contratempo". Tampouco ninguém vai prolongar esse papo-furado perguntando. "ah, sim, desculpo sim, claro! mas antes tu poderias ser mais específico, meu anjo? Do que tu tá falando?"

Realmente não sei por que eu sou tao rancorosa com essa frase, achei que escrever sobre ela iria me elevar aos níveis do perdão em relação a essas pessoas, mas o texto tá terminando e eu tô cada vez mais puta e irada. É, tentei. Melhor assumir e já avisar que, da próxima vez que eu ouvir esse pedido de desculpas medonho, vou responder impiedosamente: "Nao, benzinho, não desculpo, lida com isso e, nas próximas, pensa duas vezes antes de sair fazendo merda comigo, seu vacilão!