sexta-feira, 23 de julho de 2010

Ana e as Palavras

Ana não questiona a mediação da palavra. Inesgota as perguntas de si ao limite, até dar-se conta que inexiste caroço, labirinteando por seus possíveis. Sem saber o que sabe, ainda que negue, distrai o tempo na sua lamentada improdutividade, derrama melancolias mornas pelos braços e escreve coisas que lhe faltam. Ana não questiona a mediação da palavra e enlouquece com a etimologia inventada que nasceu na ausência do caroço.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

sabe o que passa?

é que esse gozo será promissor e febril tal qual o prazer preliminar.

domingo, 18 de julho de 2010

a moita e o gozo

O gozo, no universo psicanalítico, não tem exatamente a ver com o cume do prazer, se relaciona muito mais à condição humana da punheta subjetiva. O gozo, nessa perspectiva, é portanto a vontade de repetição, não de diferenciação. Trata-se daquela excitação prévia por algo que quase sempre nos leva a uma enrascada; não a qualquer enrascada, mas a uma enrascada muito familiar. Por exemplo, aquele que está em uso problemático de um psicoativo e com repertório de vida reduzido em função disso, tem seu gozo localizado não no momento em que fuma, inala, ou se pica; atingindo assim, o orgasmo mental. Não. O gozo se localiza justamente na fissura, no momento em que se percebe não conseguir ficar sem o objeto de desejo, momento exato de um dar-se conta: "não, não posso fazer diferente, me rendo ao calmante, ainda que ele me faça mal; à torta de chocolate, ainda que eu tenha diabetes ou que me engorde." E então todo o processo que envolve a busca pelo objeto de desejo (a ida à farmácia, os olhos ansiosos pelo cardápio à procura pelo que "não se pode") compreende o gozo. Pois bem, o gozo e a moita se conversam. Moita, pra quem ainda não sabe, é o fenômeno de angústia diante de uma roubada amorosa, sentida logo após fazermos uma cagada (por isso moita: local de excelência da merda e, quanto mais merda se faz, mais difícil sairmos da moita, pois nos desesperamos e achamos que outra merda tapará a merda anterior e assim continuamos a fazer cagadas ininterruptamente). Note que a moita pode ser ocupada por somente uma pessoa da relação, muito difícil as duas pessoas estarem inseguras, ao mesmo tempo, uma com a outra, na trama amorosa. Por isso o negócio é simplesmente sair da moita, ela não é pra dois, é pra um. Saia e o outro a ocupará, quase que inevitavelmente, por experiência da humanidade. Pois então, o gozo é o prenúncio do sentimento-moita. Nós nos enamoramos por nós mesmos enamorados. Reside aí a dificuldade de abandonarmos relacionamentos obviamente inférteis. Não temos resistência exatamente em desistirmos do outro que sabemos não render, mas de nós mesmos nesse estado monalisístico que é o de sentir borboletas na barriga. A simples idéia de não termos alguém pra bater uma punheta subjetiva ou literal na hora de dormir já nos entristece, e aí damos início ao ciclo-gozo. Mesmo sabendo que não é uma boa, manuseamos o celular, escrevemos e reescrevemos mensagens dosadas, absurdas, ousadas, apagamos, digitamos até o ápice do gozo psicanalítico: os milésimos de segundo que antecedem a tecla "enviar". A moita, por sua vez, aflora vederjante e implacável ao visualizarmos "mensagem enviada". Em resumo, ao contrário do que nos induz a pensar o senso comum, gozo e moita nada tem a ver com sexo. O bom sexo. O sexo gostoso, quente, de entrega, de antes, de depois, de café, de sexo de novo, de cumplicidade, de confiança, de amor. Nada, nada a ver...

sábado, 3 de julho de 2010

imperfeito

Foi no mesmo dia e impressionante. Ela percebeu. Podia imaginar que, enquanto ele falava, se dava a fazer imagens de boca por tudo: gengiva, odor, líquido, tecido todo vivo, ritmado, que tremia imaginando pele de dentro, molhada, cardíaca. Falava ele, pensava ela, ouvia fonemas, sem obrigação aos sentidos, entendia nada, que falava, que dizia? sabia nada, cerração de maresia, pêlo em alvo, distração, ele sabia, ela em verbo, ele sentia, e pousavam bem onde estavam, falando das coisas como se fossem os outros com quem travavam, na sala, de meias, de amigos, disfarçados de antigos, no vinho que bebiam, a pergunta se fazia.