quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Ando caçando o momento do adormecer, tentando prestar atenção naquele segundo em que se cai no sono, uma busca de anos na qual não encontro resposta porque, obviamente, eu adormeço TODAS AS NOITES. Antes, claro, de me revirar com a insônia dos olhos que se agrada por demais da companhia dos pensamentos.

Toda noite é a mesma coisa, eu tento estar atenta ao exato segundo em que adormeço pra ver como é que acontece e, quando vejo, acordo de manhã. Mas essa noite eu saquei a hora exata do sono, vivi a explicação do dormir, foi tão legal que me despertei de novo e prometi que não ia esquecer.

É assim ó, dá sono pensar no trajeto do pensamento que se faz por galhos, fugas por links, associações nem tão livres assim. Retomar o trajeto dos pensamentos produz caminhos que já não fazem mais sentido. Tenta retroceder o pensamento que deu origem ao mais recente, tudo fica uma loucura: alucinação noturna, sonho, e é por esse desligamento da realidade lógica-organizativa, onde as linhas de raciocínio são compartilháveis, que os processos mentais, em alguma instância, se desligam do globo ocular, do tímpano, do olfato.

Há um desligamento com o mundo externo porque há esse desligamento com os sentidos das coisas. Enquanto há sentido lógico-circunscrito, o pensamento se liga aos sentidos, a essa superfície do corpo, mas quando entra a maluquice dos nossos pensamentos, ou melhor, dos nossos sonhos, o sensório desiste de ficar acompanhando, ativado; fica muito distraído com aquele delírio (isso do sentido – sense - e dos cinco sentidos pode dizer alguma coisa sobre a esquizofrenia e as drogas, talvez?).

O delírio - o sonho - é o que faz o cair em sono. Então tem esse jeito aí de induzir o delírio que é tentar pensar como chegamos a pensar o que estamos pensando: é difícil, se desvia e se fantasia, tudo de bom. Todos os dias enlouquecemos e temos barato, for free! pra libertar!

Faz tempo

Faz tempo que não me vêm as coisas que eu não sei
Faz tempo que eu perdôo
Os desencantos
E já cansei
Das vontades perdidas, do descaso autorizado
Das normas de vida, do verso frustrado

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

fascínio

Por que será que criança gosta tanto de lanterna?

domingo, 2 de agosto de 2009


As três às gargalhadas: eu, Fabiola e Marta. Mas era risada de dor de barriga. Os barezinhos estavam cheios, passarmos despercebidas era desafio e nunca soubemos do nosso êxito ou não, nossa saudade só queria saber uma das outras. A gente ria, ria, ria e nenhuma conseguia pagar o amigo do estacionamento, nenhuma queria. A Marta, então, se concentrou e conseguiu pagar. A Marta é uma nariguda bonita, o nariz tem muita certeza de que deveria estar ali. Ela sente o nariz tão dela que acabou se afeiçoando por ele. Mas a Marta é muito mais do que o nariz convicto e a cabeleira crespa esbranquiçada; ela é caçadora de emoções, ao ponto de caçar déjà vus. Ao ponto de pegar aleatoriamente um livro (dentre os que nunca leu) e escolher qualquer parágrafo, qualquer trecho, com a intenção de um dia ler inteiro o tal livro e ter um déjà vu ao passar pelo fragmento perdido e esquecido nos anos. É bem essa a Marta.

E aquele carro não chegava nunca, besteiras consecutivas, era tão bom rever as gurias. Sempre gostei delas pelos mesmos motivos da época do colégio, discordamos da mesma natureza de concepção das coisas e nos alfinetamos do mesmo modo de antes; nos reconhecemos. De vez em quando é bem bom revê-las. Estamos meio afastadas, é verdade, mas, quando nos vemos, acabamos nas gargalhadas depois de custar um pouquinho quebrando o gelo.

A Fabíola era a ruiva da turma, porque, em toda turma, alguém deve cumprir esse papel. Sobre grupos, ela tinha uma teoria, que de repente até alguém já escreveu e eu não sei, nem ela, portanto, a teoria dos grupos é dela. A Fabíola diz que não importam os N grupos ao qual uma pessoa pertença, ela vai sempre se deparar com um mesmo papel em todos eles, mesmo que não queira. E assim ela tem vários exemplos: dos caras que sempre são o inconveniente, o engraçado, o líder... nem que seja o discreto, é difícil um vivente se livrar desses papéis ainda que se esforce. Vem daí a fantasia do ser humano de mudar de colégio, de cidade ou de planeta e começar tudo de novo, como a grande chance de ser diferente diante de quem se desconhece, mera ilusão. Olhar pessimista, mas ela insistia no imperativo desses ciclos e suas constâncias para tornar verossímel o seu pequeno constructo. E assim a Fabiola devaneia sobre a angústia do homem que se repete pra se entender, mas não o consegue, não sabe dizer o porquê e não sai daquele déjà vu desbotado.

Déjà vus e Marta. Eu, Marta e Fabiola olhando para o carro que chega. Dou passos mais devagar, Marta dirige e deixo Fabiola escolher se quer ir à frente ou atrás. Na verdade eu sabia que ela escolheria o banco da frente, era configuração praticamente dada, andei devagar como que para criar uma situação na qual fazíamos de conta deixar ao imprevisível nossas escolhas de sentar atrás ou na frente. E percebi isso ao sentar no banco de trás, afinal, elas eram melhores amigas na época do colégio, sempre foram, as duas meio cúmplices, eu deveria ceder; a Fabiola deveria tomar o seu lugar na frente e a Marta deveria assim mesmo querer. Tinha de ser assim, ficaria ruim de outro jeito. Caso contrário, as duas não iriam gostar, sentiriam as coisas nos lugares errados e eu também. Mas isso eu reparei em um segundo, logo veio um assunto e esqueci de pensar em ritornelos. E se elas não perceberam, naquela ocasião, devem ter se dado conta daquilo em outras, essa coisa de se saber que, em alguns momentos, o lugar é no banco de trás; assim, os encontros se mantêm. Até que se queira perder, na insignificância, o trecho já lido.