quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Sabotagem



A descoberta do Brasil se deu no ano de 2009. O “Forró de R$ 1,00” acontece todo domingo, no meio de uma rua com bares, ao lado de uma praça em Recife. A banda é teatral e sacana, de constranger qualquer um que se toma por malandro diante da implacável e bem dada backing vocal do grupo, sem-vergonha que só. Letras afiadas, som muito bom, só começam quando todos dão - bem gostoso - R$1,00 pro chapéu. Até que isso aconteça, eles improvisam e enrolam, abrindo o espaço para os que queiram recitar sua poesia. É nesse momento que sobem ao palco os doidos. Começam com versos absurdos e ruins; me constrangem, a mim e a todos, imagino. Aguardo a intervenção da banda pra que cortem o momento, retirem o microfone, façam qualquer coisa pra interromper aquela exposição por que estão passando os doidos da praça. Nada. Eles vão até o fim; olho à minha volta e a mais incomodada parece ser eu mesmo. O público reage descontraído, ri, acha ruim, acha nada, enfim, sabe-se lá. Começo a me dar conta do meu espanto sem cúmplices. E não param de chegar ao palco viajandões. Numa hora, o depoimento de uma recém saída da internação psiquiátrica, chapadona de remédio dizendo que tinham cortado ela no braço aqui, aqui e aqui: recebe as boas-vindas da banda pois foi a primeira que se levantou de uma mesa pra dançar, quando, há 3 anos, começou o “Forró de R$ 1,00” na rua. De um lado para o outro, um black power que dançava e ria sozinho, outro que recebia oxum; tinha também uma velha de 80 anos, magricela, musculosa, inteiraça, sedutora pra caralho, total domínio do rebolado e da cabeça que se lançava pra frente e pra trás a la rock&roll. E quando dei por mim, a praça e a rua estavam cheias de loucos, putas, bêbados, estudantes, turistas, elite metida a antropóloga, artistas, velhos, gurizada... era um povo que se desconhecia previamente e que, mesmo assim, dançou sem parar por umas cinco horas, fazendo quadrilha, dançando de par e ciranda – uma das danças circulares típicas de Pernambuco. Em meio a tudo aquilo, percebi o meu próprio senso tutelar, bem aquele que, em nome da proteção e da não exposição, confina, cria simulações, estimula a arte de louco pra louco. Achei aquilo incrível, flagar-me em plena desterritorialização conceptual. Sabotagem cultural! Pensei.

Nenhum comentário: