domingo, 18 de julho de 2010

a moita e o gozo

O gozo, no universo psicanalítico, não tem exatamente a ver com o cume do prazer, se relaciona muito mais à condição humana da punheta subjetiva. O gozo, nessa perspectiva, é portanto a vontade de repetição, não de diferenciação. Trata-se daquela excitação prévia por algo que quase sempre nos leva a uma enrascada; não a qualquer enrascada, mas a uma enrascada muito familiar. Por exemplo, aquele que está em uso problemático de um psicoativo e com repertório de vida reduzido em função disso, tem seu gozo localizado não no momento em que fuma, inala, ou se pica; atingindo assim, o orgasmo mental. Não. O gozo se localiza justamente na fissura, no momento em que se percebe não conseguir ficar sem o objeto de desejo, momento exato de um dar-se conta: "não, não posso fazer diferente, me rendo ao calmante, ainda que ele me faça mal; à torta de chocolate, ainda que eu tenha diabetes ou que me engorde." E então todo o processo que envolve a busca pelo objeto de desejo (a ida à farmácia, os olhos ansiosos pelo cardápio à procura pelo que "não se pode") compreende o gozo. Pois bem, o gozo e a moita se conversam. Moita, pra quem ainda não sabe, é o fenômeno de angústia diante de uma roubada amorosa, sentida logo após fazermos uma cagada (por isso moita: local de excelência da merda e, quanto mais merda se faz, mais difícil sairmos da moita, pois nos desesperamos e achamos que outra merda tapará a merda anterior e assim continuamos a fazer cagadas ininterruptamente). Note que a moita pode ser ocupada por somente uma pessoa da relação, muito difícil as duas pessoas estarem inseguras, ao mesmo tempo, uma com a outra, na trama amorosa. Por isso o negócio é simplesmente sair da moita, ela não é pra dois, é pra um. Saia e o outro a ocupará, quase que inevitavelmente, por experiência da humanidade. Pois então, o gozo é o prenúncio do sentimento-moita. Nós nos enamoramos por nós mesmos enamorados. Reside aí a dificuldade de abandonarmos relacionamentos obviamente inférteis. Não temos resistência exatamente em desistirmos do outro que sabemos não render, mas de nós mesmos nesse estado monalisístico que é o de sentir borboletas na barriga. A simples idéia de não termos alguém pra bater uma punheta subjetiva ou literal na hora de dormir já nos entristece, e aí damos início ao ciclo-gozo. Mesmo sabendo que não é uma boa, manuseamos o celular, escrevemos e reescrevemos mensagens dosadas, absurdas, ousadas, apagamos, digitamos até o ápice do gozo psicanalítico: os milésimos de segundo que antecedem a tecla "enviar". A moita, por sua vez, aflora vederjante e implacável ao visualizarmos "mensagem enviada". Em resumo, ao contrário do que nos induz a pensar o senso comum, gozo e moita nada tem a ver com sexo. O bom sexo. O sexo gostoso, quente, de entrega, de antes, de depois, de café, de sexo de novo, de cumplicidade, de confiança, de amor. Nada, nada a ver...

4 comentários:

Super disse...

belíssima elaboração! como diria kundera, a insustentável leveza de ser fora-da-moita... nota-se que teu texto tb toma como referencia aquele do Freud: 'repetição, sintoma, moita e angústia" ;)

beijinho
e aquele sorrisinho bobo

alice disse...

maravilhoso!

quer ser minha analista?

A cega do Castelo disse...

Tava querendo encontrar um curso pra ver se aprendo a ficar na moita, será que laxante ajuda? Mas só cago a céu aberto e fica esse cheiro no ar...
Que coisa genial tudo isso fedendo aí pra gente ter que cheirar e ficar cheia de material pras punhetas mil que a vida nos reserva. porque sexo é mais raro.

Donnassolo Beschi disse...

adubar a moita ou cagar e andar: duas faces de uma mesma merda, um paradoxo escatológico.