domingo, 5 de setembro de 2010

Aconteceu IV

A casa era grande, eu tinha seis anos e nenhum irmão. Minha única companhia de brincadeiras naquele bairro distante e arrastado era a vizinha da frente. Fernanda, 13 anos, ruiva e estranha. Morava com os avós, nem eu nem ela entendíamos como a mãe a havia deixado lá, então nunca falamos sobre o assunto.
A regra era clara: como ela era descomunalmente mais velha do que eu, ela ditava a brincadeira e eu acatava. A casa era enorme (pra uma estatura de seis anos), tinha um sótão, um galinheiro, hortências excessivas rente ao muro baixo, um caldeirão de ferro nos fundos, um toca-discos verde-limão para moças virgens, tapeçarias na parede, móveis em veludo bordô, um avó com olho de vidro e boina, cheiro de naftalina com torradas de catchup e barulho de últimas louças do almoço sendo lavadas.
Parecia que ninguém gostava quando eu - criança magrela e inconveniente - chegava lá, nem os dois avós, nem a Fernanda, mas eu não me importava muito, não gostava deles também. Sabíamos que a Fernanda precisaria da piscina no verão, e eu só precisava descobrir um pouco mais daquela casa de mistério, principalmente daquele sótão.
Continua...

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